4 février 2019



Une fresque murale à Lyon


Francisco Corrêa Guedes 
Calouste Gulbenkian : uma reconstituição

Gradiva Publicações Lda - ISBN 972662276, 1992,  518 p.




 
Uma biografia do homem que detestava pagar impostos. Uma biografia que deita abaixo muitos mitos.
Uma biografia que a Fundação Gulbenkian achou portanto mais seguro ignorar.

Calouste Sarkis Gulbenkian, em arménio: Գալուստ Սարգիս Կիւլպէնկեան (Üsküdar, 23 de Março de 1869 — Lisboa, 20 de Julho de 1955), foi um engenheiro e empresário arménio otomano naturalizado britânico (1902), activo no sector do petróleo e um dos pioneiros no desenvolvimento desse sector no Médio Oriente.2 3 Foi também um mecenas, tendo dado um grande contributo para o fomento da cultura em Portugal. A sua herança esteve na origem da constituição da Fundação Calouste Gulbenkian. Nasceu numa família de abastados comerciantes arménios de Istambul. O seu pai importava querosene da Rússia. Estudou em Londres, no King’s College, onde obteve o diploma de Engenharia (1887). Fez uma viagem à Transcaucásia em 1891, visitando os campos petrolíferos de Baku.

Aos 22 anos de idade, publicou o livro La Transcaucasie et la Péninsule d’Apchéron – Souvernirs de Voyage, do qual alguns capítulos foram publicados numa revista que chegou às mãos do ministro das Minas do governo otomano. Gulbenkian foi por este encarregado de elaborar um relatório sobre os campos de petróleo do Império Otomano, em especial na Mesopotâmia. Negociador hábil e esclarecido, perito financeiro de grande categoria, Gulbenkian negociou contratos de exploração petrolífera com os grandes financista internacionais e as autoridades otomanas, fomentando a exploração racional e organizada desta fonte de energia emergente. A indústria internacional dos petróleos começava a tomar forma no fim do século XIX. Gulbenkian organizou o grupo Royal Dutch, serviu de ligação entre as indústrias americanas e russas e deu o primeiro impulso à indústria na região do Golfo Pérsico.

Durante a Primeira Guerra Mundial sugeriu em França a criação de um gabinete para controlo do petróleo, o Comité Générale du Pétrole, chefiado por Henri Bérenger. Ao serviço deste comité, obteve êxito para um seu plano: pelo Tratado de San Remo (1920), a França ganhou à Grã-Bretanha o direito a administrar os interesses do Deutsche Bank na companhia de petróleo turca (os ingleses faziam-no desde 1915). Em 1928, desempenhou papel fulcral nas negociações multi-partidas entre grandes empresas internacionais para a divisão da então Turkish Petroleum Co., Ltd. (hoje a Iraq Petroleum Co., Ltd.) entre a Anglo-Persian Oil Co. (hoje a BP), a Royal Dutch Shell Group, a Companhia Francesa de Petróleos e a Near East Development Corp. (metade da Standard Oil e metade da Socony Mobil Oil). A cada uma coube 23,75% do capital e, a Calouste Gulbenkian, 5%. Este facto originou que Gulbenkian ficasse conhecido na indústria do petróleo como “o Senhor Cinco por Cento”. A riqueza que acumulou permitiu-lhe satisfazer a paixão pelas obras de arte.

A 28 de Fevereiro de 1950 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. Em 1892 desposa em Londres Nevarte Essayan, tal como ele natural de Cesareia e descendente de família arménia nobre e abastada. Do casamento nascem dois filhos Nubar Sarkis (1896-1972) e Rita Sirvarte (1900-1977). O filho de Rita Sirvarte, Mikhael Essayan (1927-2012), foi Presidente honorário da Fundação, e o seu filho Martin Essayan – bisneto de Calouste Gulbenkian – é, actualmente, administrador da Fundação, responsável pelas actividades na Grã-Bretanha e na República da Irlanda, e também pelo Serviço das Comunidades arménias. Calouste Gulbenkian foi um amante de arte e homem de raro e sensível gosto, além de reunir uma extraordinária colecção de arte, principalmente europeia e asiática, de mais de seis milhares de peças. Na arte europeia, reuniu obras que vão desde os mestres primitivos à pintura impressionista. Uma parte desta colecção esteve exposta por empréstimo, entre 1930 e 1950, na National Gallery (Londres) em Londres, e à Galeria Nacional de Arte em Washington, DC. Figuram na colecção obras de Carpaccio, Rubens, Van Dyck, Rembrandt, Gainsborough, Romney, Lawrence, Fragonard, Corot, Renoir, Boucher, Manet, Degas, Monet e muitos outros.

Além da pintura, reuniu um importante espólio de escultura do antigo Egipto, cerâmicas orientais, manuscritos, encadernações e livros antigos, artigos de vidro da Síria, mobiliário francês, tapeçarias, têxteis, peças de joalharia de René Lalique, moedas gregas, medalhas italianas do Renascimento, etc. Quando de sua morte, em 1955, a sua colecção de obras de arte estava avaliada em mais de 15 milhões de dólares. Foi desejo de Gulbenkian que a colecção que reuniu ao longo da vida ficasse exposta num mesmo local. Assim é, em Lisboa, desde Junho de 1960.

Em 1969 foi inaugurado o edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian (que acolhe os serviços centrais da Fundação, 2 auditórios, salas de conferências e 2 espaços expositivos) e o Museu, onde se encontra esta colecção permanente. Em 1983 foi inaugurado o Centro de Arte Moderna, no mesmo parque junto à Praça de Espanha onde se localizam todos esses edifícios.

Tal como soube reunir uma enorme fortuna ao longo da vida, Gulbenkian soube distribuí-la em testamento com generosidade. Na caridade, deixou verbas para especial protecção das comunidades arménias, que à altura não tinham asseguradas as necessidades básicas pelas organizações internacionais. Foi benfeitor do Patriarcado Arménio de Jerusalém. Como era devoto da Igreja Arménia, fez construir em Londres a Igreja de São Sarkis, dedicado à memória dos seus pais e onde se encontram as suas cinzas.

Em Abril de 1942, entrou em Portugal pela primeira vez, convidado pelo embaixador de Portugal em França. Inicialmente, Lisboa seria apenas uma escala numa viagem a Nova Iorque, mas o empresário adoeceu e acaba ficando mais tempo do que planeara, agradado com a paz que em Portugal se vivia durante o conflito que devastava o resto da Europa. Sentindo-se bem acolhido, estabeleceu residência permanente em Lisboa, no Hotel Aviz. Acabou por se instalar definitivamente até à sua morte em 1955. O testamento, datado de 18 de Junho de 1953, criou a fundação com o seu nome que ficou herdeira do remanescente da sua fortuna, e que tem fins, artísticos, educativos e científicos, elegendo Portugal para a sua fixação – agradecendo, postumamente, o acolhimento que teve num momento crítico da história da Europa e sabendo o respeito que em Portugal haveria pelo escrupuloso cumprir da sua vontade.

"Aqui deixo, pois, ao meu leitor a ´reconstituição´ de uma personagem, mas a de épocas e lugares: o cenário adquire importância da mesma magnitude que a da personagem que nele se movimenta. Entendi que, se renunciasse a tentar dar dos acontecimentos e do mundo seus contemporâneos um relato e uma ideia, nunca a história de Calouste podia ser adequadamente enquadrada e a sua importância razoavelmente ilustrada. Ela construiu-se com os ingredientes dos grandes embates geopolíticos do tempo, e os seus actores principais, além de pessoas que se tornaram famosas, foram também nações, governos, grandes cartéis internacionais, homens sem rosto das intelligences, as alianças de uns e de outros e as grandes, terríveis ou grotescas conspirações por eles armadas.
Mas é também isso que confere extraordinária actualidade à história de que Calouste Gulbenkian é o fio condutor. Esses embates tiveram, em regra, consequências e degenerações que se apercebem, nestes nossos dias de fim de século, ao nível de um palmo apenas abaixo da superfície dos conflitos insolúveis e trágicos que servem de alimento aos media e dão razão aos videntes do mau augúrio. Talvez me engane, mas parece-me que está por saldar para com ele a única dívida que teríamos, quiçá, a possibilidade de amortizar. A do reconhecimento do génio, que, sozinho construiu e protegeu um formidável património que nos deixou em herança. E isso só será possível sabendo ao certo como o construiu e protegeu, com e contra estados nacionais, cartéis poderosos e suas coligações. Com.. aqueles e aquelas que em paga enormemente beneficiou; contra aqueles e aquelas que tudo fizeram para o abater sem hesitação nem escrúpulo. De facto, havendo tantos e tão talentosos escritores em Portugal, é pelo menos estranho que não tivesse havido quem contasse bem e com verdade a história deste homem excepcional".

O leitor aperceber-se-á de que em diferentes momentos desta narrativa alguns nomes de pessoas, topónimos, etc., aparecem transcritos com várias grafias. Deve-se esta circunstância ao facto de em determinados contextos histórico-geográficos existir uma diversidade de povos, com línguas, alfabetos e formas distintas de designar a mesma coisa. A título de exemplo, cita-se o caso de Adianopla (origem grega) e Edine (origem turca).