2010 (27.10) - Exercício de "Real Politik" (1)



Esta "lição jubilar" foi posteriormente publicada in volume V (História e Política: entre Memórias e Ideias) dos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, Coimbra Editora, 2012. ISBN 978-972-32-2055-1.
 


A INTEGRAÇÃO EUROPEIA E O EURO







REAL POLITIK

O significado da expressão «Real Politik» é bem familiar. Talvez não o sejam tanto, os «factos políticos» que originaram o baptismo.

O Chanceler Adenauer da RFA mostrou sempre uma grande intransigência ao estabelecimento de relações diplomáticas com quaisquer países que reconhecessem a República Democrática Alemã. A única excepção que abriu ao tabu foi o reconhecimento da URSS, a União Soviética. A «Doutrina», pois de doutrina se tratou levou à duradoura recusa do reconhecimento de muitos estados árabes e africanos e mesmo, em 1957, ao corte de relações diplomáticas com a Yugoslávia. A vitória do SPD nas eleições alemãs de 1969 tornou chanceler o chefe do Partido, Willy Brandt e este pôs termo à doutrina quando patrocinou a política de aproximação a leste, a «Ost Politik». Política que se culminou com vários tratados após o reconhecimento formal da RDA. Os dois países alemães entraram ao mesmo tempo na ONU, em 1973. Muito em especial, a RFA aceitou a fronteira política germano-polaca do Oder-Neisse que significou a renúncia definitiva a uma boa parte dos territórios alemães de antes da guerra. Foi esta ‘atitude’ que ficou conhecida com o nome de «Real Politik». A RP secundariza as doutrinas e faz residir nos hard facts a inspiração para as decisões.

Pretendo nesta lição demonstrar que a integração europeia e bem assim a moeda única, podem e devem ser lidas e interpretadas à luz da estrita relação franco-germânica: esta é a essência da Real Politik da Europa.


SIMPATIA VERMELHA

Mesmo antes do início da 2ª guerra, uma boa parte da intelectualidade francesa se tinha rendido ao marxismo-leninismo. Depois do fim da guerra, o povo francês em geral, manifestou a sua grande simpatia a que a União soviética fizera jus pelo seu comportamento heróico na guerra na qual perdera mais do dobro do número total de vítimas registadas nos outros países beligerantes. Esta simpatia materializou-se em factos importantes. O Partido Comunista francês tornou-se o maior da Europa (embora o italiano se aproximasse) ; o 1º Governo francês incluiu quatro ministros comunistas; e por último mas não menos significativo, a preferência pelo Planeamento económico (embora não necessariamente centralizado e imperativo) levou à criação de um novo grande Ministério, o Ministério do Plano. O grande problema então foi o de encontrar uma figura capaz de dar ‘corpo e alma’ ao Primeiro Plano quinquenal francês. A escolha recaiu em Jean Monnet.

 
JEAN MONNET

O grande homem foi sempre um estudante medíocre. Filho de um «notável» da região francesa de Cognac (que dá nome à mais famosa aguardente do mundo), o pai inteligentemente respondeu ao desejo ardente do jovem de correr mundo para se vir a ocupar dos negócios internacionais da família. Aos 16 anos Monnet parte para Londres onde permanece dois anos em «tirocínio de negócios». A City de Londres fascina-o e ele fica para sempre rendido ao modelo de vida anglo saxónico. Depois faz uma carreira fulgurante e multifacetada, na qual se salienta a de encarregado dos negócios familiares no Canadá e nos Estados Unidos, banqueiro e logo a de político. É nesta capacidade que, durante a guerra é escolhido para representar os aliados europeus nas negociações da Lei de Empréstimo e Arrendamento (Lend and Lease Act) através da qual os americanos distribuíram aos aliados, armamentos e ajuda militar.


Monnet tomou pois conta da elaboração do 1º Plano quinquenal francês. E ao considerar as metas desse plano, em particular as mais importantes que respeitavam a siderurgia, chegou a uma conclusão muito embaraçosa: se o minério de ferro francês era suficiente para atingir o objectivo, já o mesmo se não passava com a hulha. De facto a França não possuía carvão suficiente. A grande concentração dos depósitos carboníferos encontrava-se na bacia do Ruhr, nessa altura administrada por uma Autoridade Internacional e no Sarre que, se provisoriamente confiado à França, defrontava um plebiscito a poucos anos de vista. Monnet terá passado noites de insónia até que num belo dia uma ideia luminosa lhe riscou o cérebro. Porque não criar uma instituição dotada de autoridade supranacional para administrar todo o vasto sector siderúrgico do carvão e do aço? Monnet confia esta sua ideia ao Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Schumann, um genuíno franco-germanico que, por sua vez entusiasma o seu meio compatriota Adenauer. A ideia é aprovada, convidados mais quatro países para se juntarem ao par franco alemão, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo e a Itália. Em 1951 é assinado o Tratado de Paris, que cria a C.E.C.A. Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Simbolicamente, o território da CECA «quase» coincide com o do Império de Carlos Magno. Quase, porque a metade sul da Itália não fazia parte daquele Império.



COMUNIDADE EUROPEIA DO CARVÃO E DO AÇO - C.E.C.A.

A CECA teve princípios muito auspiciosos. Promoveu a forte expansão da produção siderúrgica mas em breve defrontou um problema delicado resultante da substituição, a ritmo crescente, da «energia europeia» - o carvão – pela energia internacional – o petróleo. A implantação das Majors petrolíferas em grandes concessões no Médio Oriente, fez chegar à Europa vastas quantidades de petróleo a muito baixo preço. A consequência foi a de que as minas de carvão começaram a sentir dificuldades, a desempregar e algumas a fechar. A CECA amorteceu muito eficazmente aquelas consequências. A certo ponto, o abastecimento à Europa do petróleo conheceu um ‘choque positivo’ : a intenção inicial das Majors, sobretudo as americanas, fora a de exportar o petróleo baratíssimo do Médio Oriente para os próprios Estados Unidos. Mas a Administração Eisenhower para proteger a produção interna, recorreu a uma quota expressiva à importação e as majors tiveram que redirigir boa parte da sua produção para a Europa. Este factor – petróleo abundante e muito barato - foi um dos dominantes na explicação do extraordinário crescimento e desenvolvimento económico que, com baixa inflação e quase nenhum desemprego determinou, durante mais de duas décadas, uma prosperidade sem precedente. Com o êxito da CECA, Monnet procurou ir ainda mais longe e sugeriu a criação da C,E.D. – Comunidade Europeia de Defesa. A ideia era a de reforçar os ainda frescos traços reconciliação franco-alemã pela re-acreditação da Alemanha na solidariedade militar. Mas o povo francês não estava ainda preparado para isso e, em 1954, depois de aprovada a CED por cinco parlamentos, o Parlamento francês chumbou a iniciativa.


MERCADO COMUM

As negociações com vista à realização de um Mercado Comum avançaram e, completadas em 1957 foi assinado o Tratado de Roma que o fundou. A reacção imediata de Jean Monnet foi a demissão de Presidente da Alta Autoridade da CECA. Porquê? É simples e razoável a explicação. Da CECA para o MC houve um claro recuo. Na CECA, o Executivo era a Alta Autoridade; o normativo da Instituição era um verdadeiro Direito Civil cuja destinatária era a sociedade civil, as pessoas, as famílias, as empresas e todas as suas organizações. Ora no MC, o Executivo seria o Conselho no qual estavam representados os países enquanto tais. O normativo caía no âmbito do Direito Internacional e a Comissão não era mais do que uma instância que preparava as propostas a subir ao Conselho, cuidando que respeitassem os condicionalismos dos tratados. Jean Monnet tinha razão e, em protesto, fundou o Movimento para os Estados Unidos da Europa.


Estacionemos agora em mais um momento do nosso exercício de Real Politik. As negociações para o MC respeitavam essencialmente as posições franco-alemãs e pouco mais do que isso. Podemos imaginar um cenário: nos extremos opostos duma mesa sentam-se o francês e o alemão. Como é de esperar é o francês que abre a discussão. E diz: não tardará que vocês, alemães, mostrem a enorme superioridade da vossa industria. Acho que ganharão e serão muito bem servidos por uma União Aduaneira. Sem direitos aduaneiros e com uma Pauta Exterior Comum, terão tudo a ganhar…têm contudo que reconhecer que a França é o país agrícola por excelência na Europa. Por isso parece razoável definir uma Política Agrícola que, para assegurar a autonomia e auto-suficiência da produção a preços compensadores para os produtores e o bem-estar das populações rurais, se aplique na Europa o sistema proteccionista francês que tão boas provas deu no passado. Decidiremos os preços dos nossos produtos agrícolas a níveis que garantam a prosperidade dos produtores e devemos estar prontos a defendê-los contra os baixos preços da produção externa, opondo uma barreira suficientemente elevada e obrigando ao pagamento de direitos niveladores que poderão vir a ser receita importante quando houver um orçamento comunitário.
Já agora comparemos este modelo «francês» com o modelo «livre-cambista inglês». Aí, os produtos agrícolas do Exterior entram no país sem pagar direitos. Como são preços baixos, os salários dos trabalhadores podem também ser baixos, a população ocupada na agricultura diminui e a Inglaterra produz e exporta muito. Os agricultores ingleses que queiram continuar a produzir domesticamente são subsidiados pela diferença entre os seus custos mais altos e o preços mais baixos dos importados: é o sistema dos deficiency payments. Assim, em França quem paga a conta é o consumidor, na Grã Bretanha é o contribuinte. Em finais de 1972, a Grã Bretanha preparava-se para entrar no MC. Havia em Londres profusão de artigos, de programas sobre o assunto, Num sketch de TV, o marido lê displicentemente o jornal enquanto a mulher ralha: …mas que é isto? Vamos pagar a carne mais cara, o leite mais caro, tudo mais caro, por que raio vamos entrar neste tal mercado? Responde o marido, …não te importes, em compensação o Maseratti vai custar bastante menos!
O Tratado de Roma cria o MC na base essencial de Uma União Aduaneira e enuncia as linhas mestras duma Política Agrícola Comum.
DO ARRANQUE À DERRAPAGEM 
A década inicial do Mercado Comum (ou CEE - Comunidade Económica Europeia) foi muito promissora. O mundo desenvolvido atravessava uma época de ‘ouro’ com crescimentos anuais médios rondando os 6%, sem inflação e em pleno emprego. O sucesso do que veio a ser designado pelos «trinta gloriosos» (que, na verdade foram afinal vinte e cinco) foi imputado ao controlo da conjuntura, permitido pela manipulação das variáveis macroeconómicas segundo a cartilha keyneseana – no calão dos entendidos, o fine tuning da Procura Agregada - . Na CEE a União Aduaneira foi completada antes do fim do calendário proposto, na área fiscal o IVA, imposto indirecto de inspiração francesa foi introduzido e na PAC, já funcionavam razoavelmente várias OMC, Organizações Comuns de Mercado. Foi este clima de optimismo que foi interrompido de súbito em 1968 com a Revolução que eclodiu em Paris. Entre as suas consequências contaram-se a política, demissão do Presidente De Gaulle e a económica, a fuga dos capitais em França, impelidos pela incerteza que os levou a procurar valores mais seguros, como o DM ou o Franco Suiço. Assim se tornou inevitável a desvalorização do FF (franco francês) em cerca de 10%. No ano seguinte, 1969, foi a vez do DM se ver forçado à revalorização- de cerca de 6%. Porquê? Porque a avalanche de dólares à compra da moeda alemã obrigou, primeiro a fechar os câmbios e depois, à reabertura, uma subida do valor que desanimasse um tanto a corrida.

A causa destes distúrbios foi a agonia das taxas de câmbio fixas do Sistema de Bretton Woods (SBW) consagrado no final da segunda guerra. Compreendamos essa agonia. O SBW foi, na prática, um regime de «padrão-dólar». Quer isto dizer que, tendo sido concebido como regime de «padrão-ouro», o dólar substituí-se ao ouro logo que o Tesouro americano declarou que se comprometia a comprar e vender livremente o ouro, ao preço garantido (para a eternidade!) de 35 dólares por onça (cerca de 31 gramas). Ao princípio o sistema funcionou muito bem mas, ao fim de alguns anos, os EUA com as suas gigantescas despesas no exterior, comprometeram-se com deficits de pagamentos externos crescentes, procurando simultaneamente impedir que os países credores (que acumulavam dólares) fossem resgatá-los em ouro. Este desequilíbrio tornou-se cada vez mais visível e no próprio mercado do ouro o preço rondou e mostrou poder superar os 35 dólares/onça, exemplar demonstração de desconfiança na moeda americana. A certo ponto, o governo francês acusou os EUA de praticar o «deficit sem lágrimas» e os países que detinham grandes quantidades de dólares, aceleraram a sua conversão em ouro (americano) ou a compra de valores refúgio como o DM ou o franco suíço. Tudo isto prenunciava o que veio a suceder em 1971 com a declaração do governo americano da inconvertibilidade - ouro do dólar. Foi a etapa prévia da última que aconteceria em 1973. O fim definitivo do SBW, após duas desvalorizações do dólar (aumentos do preço do ouro), o fim do regime de taxas de câmbio fixas e a declaração do FMI fazendo saber aos países membros que teriam agora que decidir quais regimes cambiais prefeririam sendo exclusivamente sua essa responsabilidade. 
As variações cambiais de sentido contrário em 1968 e 1969 nas moedas francesa e alemã, causaram enorme consternação porque as políticas instituídas até aí na CEE tinham tomado, como um «dado da natureza» a imutabilidade do câmbio. 
Ora as consequências para a CEE da desvalorização francesa e da revalorização alemã puseram em causa os mecanismos essenciais da União Aduaneira e da PAC. No caso daquela, as alterações cambiais tiveram como consequência uma verdadeira reintrodução de Direitos aduaneiros. Isso era inaceitável por constituir um regresso visto que a CEE fora construída com a eliminação dos direitos entre países membros. No caso da PAC, na qual a fixação dos preços era feita em ECUs, unidade de conta europeia, uma vez por ano em cada OCM (Organização Comum de Mercado) pelo Conselho de Ministros da Agricultura, a alteração cambial levava ao aumento dos preços em França e à sua diminuição na Alemanha. Nem um nem outro país aceitaram. Para a França, o aumento dos preços agrícolas estimularia a inflação; na Alemanha, a diminuição equivaleria à perda de rendimentos dos agricultores. A recusa de um e de outro país levou à introdução de um sistema de compensações nas exportações de produtos agrícolas dentro da CEE e à definitiva conclusão que a integração europeia só seria possível se entre as moedas dos países membros os câmbios fossem estáveis. Era uma condição sine qua non.

IDIOSSINCRASIA ALEMÃ

Na sequência do Tratado de Versailles no fim da guerra de 1914/18, os alemães foram condenados a pagar indemnizações que, nas melhores opiniões, eram exorbitantes e mesmo impossíveis de satisfazer. Os franceses, esses, estavam convencidos de que não. Em 1923 os alemães já se tinham atrasado muito relativamente aos «compromissos» (obrigações) a que tinham sido compelidos. Nessa altura era Presidente na França um homem inimigo de qualquer reaproximação aos alemães – Raymond Poincaré. Ele não esteve com meias medidas: como não lhe pagavam mandou a tropa francesa invadir o Ruhr para ir buscar em espécie (carvão) aquilo que não lhe pagavam em ouro. Imediatamente se desencadeou uma greve geral nas minas enquanto o governo alemão colocou todas as máquinas de imprimir notas a trabalhar 24 horas por dia. Desencadeou-se uma inflação monstruosa: os preços subiam, literalmente, cada minuto que passava. Para dar uma ideia, 1 dólar americano que em 1914 valera 4 Reichsmark comprava-se em 1923 por 4 triliões de reichsmark - um número dificílimo de «ler» e impossível de apreender, 4 vezes 10 elevado a 12ª potência. Contava-se a história de uma senhora que se dirigira a uma loja com um enorme saco de notas que abandonara uns minutos para dar atenção a qualquer coisa. Quando regressou, tinham-lhe roubado o saco e deixado as notas!


O essencial da história foi que esta hiper-inflação destruiu o cimento que consolidava a sociedade alemã. Os credores – provavelmente classe média alta – foram pagos com dinheiro que valia zero e os devedores – provavelmente classe média baixa e menos – pagaram com dinheiro que valia zero. A corrente e a contra corrente abalaram irreversivelmente a estrutura social alemã. A juntar a isso, pouco tempo depois em 1929 instalou-se a Grande Depressão. Tudo junto igual a Hitler: clamando contra a humilhação do Tratado de Versailles e prometendo emprego à multidão dos desempregados. O castigo da hiper-inflação inspirou nas sucessivas gerações alemãs a idiossincrasia anti-inflação.


A REFORMA MONETÁRIA ALEMÃ DE 1948

No fim da segunda guerra mundial, a vida na Alemanha ocupada seria, para cada alemão sobrevivente, um degrau mais na subida do calvário. O dinheiro, superabundante, não valia nada e a produção e os bens de consumo trocavam-se, na maior medida, em mercados negros. Em suma, o caos. O encarregado alemão da economia na bi-zona (fusão das zonas de ocupação americana e inglesa) era Ludwig Erhard. Ele dava-se bem conta, de que a Alemanha não sairia do desnorte e agonia sem uma reforma monetária. Disso convenceu os americanos que se dispuseram a estudar essa reforma e a dar-lhe vida. Em Junho de 1948, numa operação cuja logística se considerou só ter sido superada pela que pôs em marcha o desembarque na Normandia, foram distribuídas na Alemanha ocidental 500 toneladas de notas de um novo dinheiro chamado Deutsch Mark. A Reforma foi constituída pela nova moeda e pela criação de um banco – Bank deutscher Lander – (mais tarde Bundesbank) com um estatuto de que não havia memória ou precedente conhecido: o da independência total e irrestrita relativamente ao Poder Executivo. Razão: evitar absolutamente um Quarto Reich já que o Terceiro fora possível porque o governo do país tinha posto o banco central ao serviço incondicional da sua política.


No regresso à normalidade após a reconstrução europeia, prevaleceu na Alemanha a vigilância apertada da inflação e, no caso, a imediata elevação pelo Bundesbank, das taxas de juro correctoras. O contraste com a França foi sempre notório: a inclinação progressista francesa foi propícia à inflação e por isso, veio a ser necessária em França uma reforma que teve lugar em 1958 e que recebeu o nome de Réforme Pinay : foi criado o nouveau franc, NF, valendo 100 «francos antigos», AF.


PROBLEMA MAGNO

O Gráfico 1 regista a comparação das taxas de inflação anuais (medidas pelo Indice de Preços no consumidor (IPC)) da França e da Alemanha desde 1973 a 2009. A curva a verde representa a diferença entre elas. A máxima coordenada desta curva é o valor de 9.5% em 1978 enquanto entre esse ano e o de 1987 se observa uma baixa considerável de mais de 8 pontos percentuais. Depois de um patamar da ordem de 1% entre 1987 e 1990, observa-se algo singular: entre 1991 e 1995, pela primeira vez a inflação alemã excede a inflação francesa. A curva da diferença tem pois coordenadas negativas e o fenómeno será examinado com a atenção que exige. De momento ocupemo-nos com um exercício muito simples: o de examinar qual é a consequência duma diferença entre as taxas de inflação dos dois países sobre a taxa de câmbio DM/FF. É o que faço no Quadro 1.







Gráfico 1










Quadro 1






As conclusões que o exame do Quadro 1 nos proporcionou são pois bem claras: a autoridade monetária francesa (o Banco de França) vê-se obrigada a comprar a sua própria moeda, o FF, vendendo DM que, ou tem em reserva ou tem de pedir emprestados à Alemanha: vendendo DM baixa o valor deste e aumenta o valor do FF. Outra solução é pedir à Alemanha que compre FF com os seus DM, vendendo estes. Isso porém contrariará os alemães. Teriam que pôr a circular mais moeda doméstica ao vender os DM, o que poderia estimular a inflação. Qualquer das soluções «ajuda» a que o câmbio regresse para dentro da margem de variação exigida. O custo da intervenção para o país cuja moeda deprecia é que pode ser exorbitante e não deixar ao país alternativa a desvalorizar. A propósito: a diferença entre «apreciação/depreciação de uma moeda» e a «revalorização/desvalorização» da mesma está em que no primeiro caso o determinante é a operação do ‘mercado’ e no segundo é a mera declaração política duma alteração de cotação.


Concluído o exame do Quadro 1 e assimilados os seus resultados, vale a pena voltar a observar bem o Gráfico 1: Damo-nos assim conta do grave problema da acomodação cambial da França e Alemanha (para não falar das outras moedas já) num sistema de câmbios semi-fixos, condição sine qua non da Integração europeia. A variabilidade do câmbio DM/FF consequente às diferenças sensíveis de inflação entre os dois países é problema que nunca foi bem resolvido. Mas reconheça-se que os decisores políticos nunca desistiram de o resolver. Vamos ver como (2).