O arquivo on line curiosamente não diz quem foi entrevistado... apesar de as perguntas obviamente serem sugeridas. FCG, designado como o "autor da biografia "Calouste Gulbenkian - Uma Reconstituição" e descrito como tendo duas paixões, o petróleo e o Médio Oriente, fala sobre a intensa vida de um homem que adorava petróleo.
Calouste Gulbenkian pertencia à próspera minoria arménia do Império Otomano. Nasceu numa família rica?
–
Com
alguma riqueza. O pai, Sarkis, foi governador de Trebizona, no mar
Negro. Esta era a cidade onde terminava a Rota da Seda e um ponto por
onde passavam enormes fluxos de comércio. Sarkis Gulbenkian travou aí
relações importantes e começou a fortuna familiar. Calouste Gulbenkian
nasceu em Uskudar no ano em que se abriu o canal de Suez, 1869, uma
data assim duplamente fundamental para o futuro mundo do petróleo. Em
miúdo revelou-se muito estudioso e a família enviou-o depois para
Londres, para o King's College, estudar Engenharia Civil. Revelou--se um
aluno brilhantíssimo, ao ponto de ser convidado por um dos maiores
cientistas do século XIX, Lord Kelvin, para seu assistente. Gulbenkian
escreveu à família e a resposta foi negativa. O pai tinha outras ideias.
Na altura era representante da Standard Oil no Império Otomano e queria
que o filho voltasse para se ocupar dos negócios. Como prenda por ter
acabado o curso, ofereceu-lhe uma viagem de comboio a Baku. Gulbenkian
chega ao Cáucaso e tem como cicerone um sobrinho de Alfred Nobel, um
filho de Ludwig a quem chamavam o Rockfeller do Cáucaso. Mais tarde,
Gulbenkian escreveu um livro sobre a viagem e conta uma cena em que fica
coberto pelo petróleo que jorra do solo. Diz que achou aquela chuva
agradável.
Falamos
de um Gulbenkian na casa dos 20 anos. O petróleo era já o futuro
que se adivinhava para a sua carreira?
– Ele
viu logo que o modo de exploração em Baku trazia um enorme
desperdício de petróleo. E começa a dar conselhos aos países para
se interessarem mais pelo petróleo do Cáucaso. Convém aqui
explicar um pouco da geopolítica do Império Otomano no final do
século XIX. Os russos atacavam com extrema agressividade as
fronteiras turcas e os britânicos procuravam que estas resistissem.
No final de mais uma guerra russo- -turca, a Alemanha convoca a
famosa Conferência de Berlim, onde se divide África e onde começa
também a ligação alemã ao Império Otomano. São os alemães que
constroem o caminho-de-ferro Berlim-Bagdad que atravessa perto do
final a região onde serão feitas as explorações petrolíferas.
Gulbenkian, entretanto, publicou um artigo sobre petróleo e o sultão
fica de tal modo impressionado que o chama. O arménio já sabia que
havia muito petróleo no Iraque.
Oriundo
de uma família tão influente e tendo até despertado a curiosidade
do sultão, como é que Gulbenkian se vê obrigado a fugir do Império
Otomano ?
– Após
um ataque de independentistas arménios a um banco há uma reacção
turca violenta, sobretudo em Istambul. Gulbenkian consegue fugir
porque tinha casado com a prima Nevarte, da riquíssima família dos
Essayan, proprietários do navio apinhado onde a custo embarcam.
A
viagem acaba, porém, por ser marcada por um episódio de grande
sorte.
– O
navio segue para Alexandria e Gulbenkian reencontra um homem que
tinha conhecido em Baku, Mantacheff. Calouste, que tinha perdido tudo
na fuga, consegue ser tão eloquente que convence Mantacheff a abrir
escritório em Londres e a nomeá-lo representante das petrolíferas
independentes russas. Depois, outro momento-chave no Cairo é
recebido por um ministro egípcio que lhe entrega várias cartas de
recomendação para Londres. Para grandes financeiros, a chamada
corte judia de Eduardo VII. Entre eles está o homem a quem
Gulbenkian se vai ligar, Sir Ernest Cassel. É com este homem que vai
fazer o Banco Nacional da Turquia. Mais tarde cria também a Turkish
Petroleum Company, que será alvo de aquisição hostil por parte da
Anglo-Persian, a futura BP.
Nessa
época, Gulbenkian já é cidadão britânico naturalizado. Desde
quando ?
– Desde
1902. E viverá na Grã-Bretanha até 1914. Depois, na França.
Mantém-se
britânico até à morte ?
– Sim,
mas durante um período da Segunda Guerra Mundial a nacionalidade
foi-lhe retirada, porque ficou a viver na França, sob o regime de
Vichy, aliado da Alemanha nazi. Recupera a nacionalidade em 1943.
Decisivo
na vida de Gulbenkian será o fim do Império Otomano em 1918 e o
episódio da linha vermelha por ele traçada sobre um mapa. Pode
explicar a relevância dessa linha vermelha ?
– A
linha vermelha é a conclusão de um longo e complicado processo de
negociações sobre a exploração do petróleo do Médio Oriente. Na
altura, os ingleses quiseram ficar com todo o petróleo, mas não
puderam negá-lo aos franceses, que substituíram os alemães, que
tinham perdido a Primeira Guerra Mundial. Os americanos reclamaram
também uma parte, não admitindo que se fizesse política de porta
fechada em relação ao petróleo do Iraque. Gulbenkian jogou a carta
americana e fez pressão para a sua entrada no consórcio formado
pela Royal Dutch Shell, com 23,75% , a Anglo-Persian com 23,75%, a
Compagnie Française du Petrole (hoje Total-Fina-Elf), com 23,75%, e
a Near East Concessions, um grupo de seis americanas incluindo Mobil
e Exxon, também com 23,75%. Para Gulbenkian fica a percentagem
restante, que lhe valerá o epíteto de Mister Five Per Cent. A linha
terá sido traçada por Gulbenkian e engloba as fronteiras otomanas
na sua última expressão, já sem o Egipto e o Koweit, mas com o
Iraque e a Arábia Saudita. Em qualquer ponto do território,
qualquer das companhias tinha que entregar aos parceiros do consórcio
a sua percentagem correspondente em petróleo.
Foi uma recompensa sobretudo para a sua enorme habilidade negocial?
–
Era
tão hábil que conseguiu que na Convenção de San Remo e no Tratado de
Lausana os negociadores, ao defenderem os interesses dos respectivos
países, acabassem também a defender os interesses pessoais dele. Era um
genial negociador.
Foi uma vantagem conhecer culturalmente a região onde se concentravam as grandes riquezas petrolíferas?
–
Os
arménios são muito perseverantes, muito parcimoniosos, muito poupados,
muito trabalhadores. Ele tinha todas essas características.
Portanto, nos anos 20, temos já um Gulbenkian tremendamente rico?
–
Sim.
Depois há percalços. Com a Frente Popular em França, a vida é difícil.
As pessoas percebem mal os negócios do petróleo, só sabem que Gulbenkian
é rico. Depois, com a Segunda Guerra Mundial, vai para Vichy. Deixa o
seu palácio em Paris, mas os alemães não tocam em nada.
Como é que ele se torna coleccionador?
–
Começou
jovem. E com a fortuna que adquire, essa faceta acentua-se. Cada vez
que tinha um êxito nos negócios comprava uma obra de arte.
Até 1942, Gulbenkian está em Vichy. O que o faz vir para Portugal?
–
Gulbenkian
tinha um filho, Nubar, e uma filha, Rita. Nubar visitou várias vezes
Portugal e conheceu o Aviz, hotel encantador. Descreveu Portugal ao pai
como uma terra muito tranquila, onde não havia guerra e onde se pagavam
poucos impostos. Gulbenkian sentiu-se atraído e instalou-se até à morte
no Aviz.
Em Portugal, Gulbenkian teve uma boa relação com Oliveira Salazar?
–
Achava
que Salazar era um grande homem porque tinha mantido o País em paz. E
sabe-se que Salazar ficou tão feliz com a Fundação que até dizia sobre
Azeredo Perdigão "Pode ser de esquerda, mas é um patriota."
O advogado Azeredo Perdigão foi decisivo para a Fundação ficar em Portugal?
–
Foi
muito hábil. Era muito inteligente e compreendeu que Gulbenkian tinha
uma maneira de se comportar que apreendeu muito bem. Que gostava de
dizer às pessoas qualquer coisa que desejaria fazer e desejava encontrar
nas pessoas razões para as fazer. E foi isso que cimentou uma grande
amizade.
Oliveira Salazar e Azeredo Perdigão na Fundação Calouste Gulbenkian |