Gradiva Publicações Lda - ISBN 972662276, 1992, 518 p.
Uma biografia do homem
que detestava pagar impostos. Uma biografia que deita abaixo muitos
mitos.
Uma biografia que a
Fundação Gulbenkian achou portanto mais seguro ignorar.
Calouste Sarkis
Gulbenkian, em arménio: Գալուստ Սարգիս Կիւլպէնկեան
(Üsküdar, 23 de Março de 1869 — Lisboa, 20 de Julho de 1955),
foi um engenheiro e empresário arménio otomano naturalizado
britânico (1902), activo no sector do petróleo e um dos pioneiros
no desenvolvimento desse sector no Médio Oriente.2 3 Foi também um
mecenas, tendo dado um grande contributo para o fomento da cultura em
Portugal. A sua herança esteve na origem da constituição da
Fundação Calouste Gulbenkian. Nasceu numa família de abastados
comerciantes arménios de Istambul. O seu pai importava querosene da
Rússia. Estudou em Londres, no King’s College, onde obteve o
diploma de Engenharia (1887). Fez uma viagem à Transcaucásia em
1891, visitando os campos petrolíferos de Baku.
Aos 22 anos de idade,
publicou o livro La Transcaucasie et la Péninsule d’Apchéron –
Souvernirs de Voyage, do qual alguns capítulos foram publicados numa
revista que chegou às mãos do ministro das Minas do governo
otomano. Gulbenkian foi por este encarregado de elaborar um relatório
sobre os campos de petróleo do Império Otomano, em especial na
Mesopotâmia. Negociador hábil e esclarecido, perito financeiro de
grande categoria, Gulbenkian negociou contratos de exploração
petrolífera com os grandes financista internacionais e as
autoridades otomanas, fomentando a exploração racional e organizada
desta fonte de energia emergente. A indústria internacional dos
petróleos começava a tomar forma no fim do século XIX. Gulbenkian
organizou o grupo Royal Dutch, serviu de ligação entre as
indústrias americanas e russas e deu o primeiro impulso à indústria
na região do Golfo Pérsico.
Durante a Primeira Guerra
Mundial sugeriu em França a criação de um gabinete para controlo
do petróleo, o Comité Générale du Pétrole, chefiado por Henri
Bérenger. Ao serviço deste comité, obteve êxito para um seu
plano: pelo Tratado de San Remo (1920), a França ganhou à
Grã-Bretanha o direito a administrar os interesses do Deutsche Bank
na companhia de petróleo turca (os ingleses faziam-no desde 1915).
Em 1928, desempenhou papel fulcral nas negociações multi-partidas
entre grandes empresas internacionais para a divisão da então
Turkish Petroleum Co., Ltd. (hoje a Iraq Petroleum Co., Ltd.) entre a
Anglo-Persian Oil Co. (hoje a BP), a Royal Dutch Shell Group, a
Companhia Francesa de Petróleos e a Near East Development Corp.
(metade da Standard Oil e metade da Socony Mobil Oil). A cada uma
coube 23,75% do capital e, a Calouste Gulbenkian, 5%. Este facto
originou que Gulbenkian ficasse conhecido na indústria do petróleo
como “o Senhor Cinco por Cento”. A riqueza que acumulou
permitiu-lhe satisfazer a paixão pelas obras de arte.
A 28 de Fevereiro de 1950
foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. Em 1892
desposa em Londres Nevarte Essayan, tal como ele natural de Cesareia
e descendente de família arménia nobre e abastada. Do casamento
nascem dois filhos Nubar Sarkis (1896-1972) e Rita Sirvarte
(1900-1977). O filho de Rita Sirvarte, Mikhael Essayan (1927-2012),
foi Presidente honorário da Fundação, e o seu filho Martin Essayan
– bisneto de Calouste Gulbenkian – é, actualmente, administrador
da Fundação, responsável pelas actividades na Grã-Bretanha e na
República da Irlanda, e também pelo Serviço das Comunidades
arménias. Calouste Gulbenkian foi um amante de arte e homem de raro
e sensível gosto, além de reunir uma extraordinária colecção de
arte, principalmente europeia e asiática, de mais de seis milhares
de peças. Na arte europeia, reuniu obras que vão desde os mestres
primitivos à pintura impressionista. Uma parte desta colecção
esteve exposta por empréstimo, entre 1930 e 1950, na National
Gallery (Londres) em Londres, e à Galeria Nacional de Arte em
Washington, DC. Figuram na colecção obras de Carpaccio, Rubens, Van
Dyck, Rembrandt, Gainsborough, Romney, Lawrence, Fragonard, Corot,
Renoir, Boucher, Manet, Degas, Monet e muitos outros.
Além da pintura, reuniu
um importante espólio de escultura do antigo Egipto, cerâmicas
orientais, manuscritos, encadernações e livros antigos, artigos de
vidro da Síria, mobiliário francês, tapeçarias, têxteis, peças
de joalharia de René Lalique, moedas gregas, medalhas italianas do
Renascimento, etc. Quando de sua morte, em 1955, a sua colecção de
obras de arte estava avaliada em mais de 15 milhões de dólares. Foi
desejo de Gulbenkian que a colecção que reuniu ao longo da vida
ficasse exposta num mesmo local. Assim é, em Lisboa, desde Junho de
1960.
Em 1969 foi inaugurado o
edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian (que acolhe os
serviços centrais da Fundação, 2 auditórios, salas de
conferências e 2 espaços expositivos) e o Museu, onde se encontra
esta colecção permanente. Em 1983 foi inaugurado o Centro de Arte
Moderna, no mesmo parque junto à Praça de Espanha onde se localizam
todos esses edifícios.
Tal como soube reunir uma
enorme fortuna ao longo da vida, Gulbenkian soube distribuí-la em
testamento com generosidade. Na caridade, deixou verbas para especial
protecção das comunidades arménias, que à altura não tinham
asseguradas as necessidades básicas pelas organizações
internacionais. Foi benfeitor do Patriarcado Arménio de Jerusalém.
Como era devoto da Igreja Arménia, fez construir em Londres a Igreja
de São Sarkis, dedicado à memória dos seus pais e onde se
encontram as suas cinzas.
Em Abril de 1942, entrou
em Portugal pela primeira vez, convidado pelo embaixador de Portugal
em França. Inicialmente, Lisboa seria apenas uma escala numa viagem
a Nova Iorque, mas o empresário adoeceu e acaba ficando mais tempo
do que planeara, agradado com a paz que em Portugal se vivia durante
o conflito que devastava o resto da Europa. Sentindo-se bem acolhido,
estabeleceu residência permanente em Lisboa, no Hotel Aviz. Acabou
por se instalar definitivamente até à sua morte em 1955. O
testamento, datado de 18 de Junho de 1953, criou a fundação com o
seu nome que ficou herdeira do remanescente da sua fortuna, e que tem
fins, artísticos, educativos e científicos, elegendo Portugal para
a sua fixação – agradecendo, postumamente, o acolhimento que teve
num momento crítico da história da Europa e sabendo o respeito que
em Portugal haveria pelo escrupuloso cumprir da sua vontade.
"Aqui deixo, pois,
ao meu leitor a ´reconstituição´ de uma personagem, mas a de
épocas e lugares: o cenário adquire importância da mesma magnitude
que a da personagem que nele se movimenta. Entendi que, se
renunciasse a tentar dar dos acontecimentos e do mundo seus
contemporâneos um relato e uma ideia, nunca a história de Calouste
podia ser adequadamente enquadrada e a sua importância razoavelmente
ilustrada. Ela construiu-se com os ingredientes dos grandes embates
geopolíticos do tempo, e os seus actores principais, além de
pessoas que se tornaram famosas, foram também nações, governos,
grandes cartéis internacionais, homens sem rosto das intelligences,
as alianças de uns e de outros e as grandes, terríveis ou grotescas
conspirações por eles armadas.
Mas é também isso que
confere extraordinária actualidade à história de que Calouste
Gulbenkian é o fio condutor. Esses embates tiveram, em regra,
consequências e degenerações que se apercebem, nestes nossos dias
de fim de século, ao nível de um palmo apenas abaixo da superfície
dos conflitos insolúveis e trágicos que servem de alimento aos
media e dão razão aos videntes do mau augúrio. Talvez me engane,
mas parece-me que está por saldar para com ele a única dívida que
teríamos, quiçá, a possibilidade de amortizar. A do reconhecimento
do génio, que, sozinho construiu e protegeu um formidável
património que nos deixou em herança. E isso só será possível
sabendo ao certo como o construiu e protegeu, com e contra estados
nacionais, cartéis poderosos e suas coligações. Com.. aqueles e
aquelas que em paga enormemente beneficiou; contra aqueles e aquelas
que tudo fizeram para o abater sem hesitação nem escrúpulo. De
facto, havendo tantos e tão talentosos escritores em Portugal, é
pelo menos estranho que não tivesse havido quem contasse bem e com
verdade a história deste homem excepcional".
O leitor
aperceber-se-á de que em diferentes momentos desta narrativa alguns
nomes de pessoas, topónimos, etc., aparecem transcritos com várias
grafias. Deve-se esta circunstância ao facto de em determinados
contextos histórico-geográficos existir uma diversidade de povos,
com línguas, alfabetos e formas distintas de designar a mesma coisa.
A título de exemplo, cita-se o caso de Adianopla (origem grega) e
Edine (origem turca).